segunda-feira, 11 de maio de 2020

REFLEXÕES DOS 75 ANOS DO FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL





José Vieira da Cruz*

No último 07 de maio, as celebrações sobre o final da Segunda Guerra Mundial mais uma vez ocuparam os noticiários. Desta feita, com uma inovação que tende a se tornar frequente. Nas cidades em que ocorreram as referidas homenagens, os eventos foram acompanhados pela população através dos meios de comunicação e das redes sociais, salvo a presença de algumas autoridades nos atos. Assim, mesmo diante de uma pandemia e da prática do lockdown, vários países optaram por manter as celebrações e não esquecer o passado. Este fato, da necessidade de se manter reflexões relacionadas aos 75 anos do fim do referido conflito e a partir dele compreender como a atual ordem mundial foi organizada, indica o quanto é importante recordar e analisar os desdobramentos políticos, econômicos e sociais do pós-guerra.


Em razão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o mundo dividiu-se entre países que defendiam liberdades democráticas ou o socialismo e aqueles que defendiam o pensamento único, regimes autoritários e práticas de intolerância por questões religiosos, raciais, ideológicas ou por outras diferenças. Não é demais lembrar que o conflito não foi obra somente de seus líderes, partidos e ideologias. É necessário recordar que parte da sociedade na Alemanha, na Itália e em outros países, seduzidas por ideias da extrema-direita, ultranacionalistas e antissemitas, apoiaram a guerra e o extermínio de milhões de pessoas. Neste contexto, foi necessário a construção de uma aliança entre os países que defendiam os princípios da democracia liberal e aqueles que defendiam socialismo para derrotar um inimigo maior: o Nazifascismo.  


No campo da História, registros, lembranças e rememorações de acontecimentos suscitam importantes reflexões sobre as escolhas que cada sociedade faz quanto ao seu desenvolvimento político, econômico e cultural.  Por essa razão, os(as) historiadores(as), no exercício de seu ofício profissional, insistem em lembrar, recordar, avaliar e interpretar as repercussões dos acontecimentos do passado sobre o presente. A respeito, Eric Hobsbawm ao escrever a obra, “Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991”, publicada em 1994,  afirmou que os historiadores costumam lembrar o que os outros esquecem, a exemplo dos horrores da guerra e da necessidade de alianças em defesa da democracia, da liberdade e da vida.


Dentro desta perspectiva, as lições, significados e reflexões deixadas pela Segunda Guerra Mundial, sobretudo, a do legado de substituir regimes autoritários, totalitários e racistas, por regimes propensos a valorizar a democracia, a liberdade, a justiça social,  a pluralidade e o respeito aos diferentes, tem sido uma importante premissa no campo das relações internacionais e dos debates políticos contemporâneos.


No Brasil, as consequências do fim da Segunda Guerra Mundial contribuíram decisivamente para derrubar a ditatura do Estado Novo (1937-1945) e para instituir importantes experiências democráticas no país nas décadas seguintes. Experiências, logo e lamentavelmente, interrompidas por mais um regime autoritário: a ditadura civil-militar (1964-1985). Nos últimos 35 anos, como é do conhecimento de todos, por um lado, o país retomou o exercício do Estado Democrático de Direito, mas, por outro, tem passado por reformas e desafios para manter a ordem institucional democrática.


Voltando as rememorações da Segunda Guerra Mundial, a partir de meados do século XX,  os ventos de liberdade, democracia e de tolerância que passaram a soprar no mundo do pós-guerra são tão importantes quanto a rejeição, nos dias atuais, dos discursos obscurantistas de negação da ciência, de exaltação da cultura de ódio aos diferentes, e da banalização da perda de vidas humanas ceifadas pela pandemia do Covid-19. Discursos e práticas estimuladas por algumas autoridades políticas e empresariais em determinados países, dentre os quais os Estados Unidos da América, o Brasil e, até pouco tempo, ao menos em parte, pelo Reino Unido.


Em termos opostos, compreendemos a vida humana como um valor inumerável no qual cada sujeito esculpe em sua história contribuições com significados próprios. Cada vida traz em si sentimentos, sentidos e legados, sejam elas vividas em grotões, campinas, restingas, florestas, cerrados, sertões, mangues, favelas, mocambos, condomínios, mansões, palácios, castelos, indústrias, comércios ou ruas. Como bem escreveu João Cabral de Melo Neto, em “Morte e vida Severina”, em texto elaborado na década de 1950, toda vida é uma explosão de significados, mesmo que seja uma vida Severina.


Desta forma, aprender com o passado, em particular com as reflexões deixadas pelos 75 anos do final da Segunda Guerra Mundial, também nos possibilita pensar acerca das consequências das escolhas que cada sociedade faz ou pode fazer. Existem é claro acontecimentos de difícil resolução e previsão: desastres naturais, acidentes, crises econômicas, doenças, dentre outros desventuras. Mas, como asseverou Nicolau Maquiavel, na clássica obra “O Príncipe”, texto do século XVI, ao menos em parte, é possível para aqueles que planejam, organizam e se prepararam, solucionar ou reduzir os efeitos de acontecimentos naturais, não previstos e/ou indesejáveis. E isso, para Maquiavel, depende do posicionamento de governantes e de governados que partilham as escolhas de uma sociedade em determinada época, lugar e contexto.


Há, portanto, escolhas que são difíceis mais são possíveis. A respeito, as reflexões sobre períodos posteriores a guerras, crises econômicas e pandemias, nos ensinam que em favor da vida, da liberdade e da solidariedade entre povos de diferentes nações, alguns países, partidos e políticos relativizaram divergências e se uniram em torno de princípios e de agendas políticas em comum: justiça social, políticas de Estado de bem-estar e liberdades democráticas individuais, coletivas e sociais.


No caso dos desafios atuais da democracia brasileira, em particular dos impasses federativos entre União, Estados, Distrito Federal e os municípios, em torno dos recursos e das ações para combate a pandemia do novo Coronavírus, as contradições entre o “nós” contra “eles”, nunca esteve tão em evidencia e nunca foi tão indesejado.  Mas, não obstante as diferenças e respeitados os códigos de civilidade, ética e diplomacia, entre aqueles que defendem a vida, a democracia, a justiça social e a liberdade de expressão, há mais pontos em comuns que diferenças.


Neste sentido, espero que as duras lições da Segunda Guerra Mundial possam também nos ajudar a pensar os desafios de nosso tempo. Dentre essas lições, por um lado, está a necessidade de recordar os horrores da guerra, das ditaduras e das arbitrariedades contra os direitos humanos, para que eles não sejam esquecidos e não voltem a ocorrer. E, de outro lado, a necessidade de articulação de pactos, frentes e alianças políticas em defesa da vida, das liberdades democráticas e do respeito aos diferentes. Lições presentes, rememoradas à distância pelos meios de comunicação e pelas redes sociais, dentro do chamado “novo normal” destes tempos de pandemia e de práticas de lockdown.  Ao menos, estes foram os sentimentos, sentidos e exemplos que as celebrações, ocorridas na primeira semana de maio deste ano, sob minha modesta interpretação, evidenciaram em razão dos 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial.

*Professor da UFAL, Doutor em História pela UFBA, membro do IHGSE e da ACALE

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