quarta-feira, 3 de abril de 2019

Disciplina, educação e trabalho ampliam horizontes de reeducandos em Alagoas

Saiba como se dá o processo de reinserção social de apenados e egressos do sistema prisional alagoano, um dos mais eficientes do Brasil


Série de atividades ressocializadoras desenvovlvidas no sistema prisional auxilia no processo de reintegração social dos reeducados
Série de atividades ressocializadoras desenvovlvidas no sistema prisional auxilia no processo de reintegração social dos reeducados Fotos: Jorge Santos
Texto de Bruno Soriano

Qual o significado do termo ressocializar? Socializar-se novamente, voltar a fazer parte da sociedade, retomar o convívio social. Ressocializar é mudar o preso e seu comportamento, tornando-o socialmente aceito e não nocivo ao público que um dia o recriminou. É também um dos direitos fundamentais do apenado, que deve ter acesso a mecanismos capazes de lhe garantir cidadania plena.
Nesse sentido, a Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (Seris) realiza um trabalho muito importante, tendo como base as duas principais ferramentas do processo de transformação de quem cumpre pena privativa de liberdade. Ao ofertar educação e trabalho no sistema prisional alagoano, a Seris já contabiliza avanços como os observados no Núcleo Ressocializador da Capital (NRC), onde o reeducando encontra verdadeiro leque de oportunidades.
Há também as iniciativas que buscam evitar o encarceramento. É o caso das penas alternativas, cujo acompanhamento é realizado pela Central de Alternativas Penais (Ceapa), subordinada à Seris. Cabe à Ceapa monitorar o cumprimento das penas privativas de liberdade convertidas em restritivas de direitos, destinadas aos crimes de menor potencial ofensivo.
Série de atividades ressocializadoras desenvovlvidas no sistema prisional auxilia no processo de reintegração social dos reeducados (Fotos: Jorge Santos)
São três as modalidades: prestação de serviço à comunidade; prestação pecuniária (onde o cumpridor doa valor em dinheiro ou cestas básicas a instituição beneficente); comparecimento judicial; e prestação de serviço à comunidade, na qual se enquadram 1.042 pessoas em todo o Estado. E é para assistir o infrator durante o cumprimento da pena que a Ceapa disponibiliza apoio jurídico e psicossocial, traçando o perfil de cada um deles para definir, por exemplo, a entidade a ser beneficiada.
“Esse levantamento também considera a necessidade de cada instituição, de modo a tornar a tarefa do cumpridor mais prazerosa. Todos eles passam por um grupo de iniciação, com os encontros sendo realizados quinzenalmente, sendo entregues cartilhas que contém os direitos e deveres do cumpridor. Trata-se de um trabalho crucial porque, além de evitar o inchaço do sistema, conseguimos manter o infrator no seio da família”, analisa a chefe do Núcleo de Alternativas Penais, Sônia Regina dos Santos. “Nesse sentido, estreitamos laços com instituições como o Detran, a fim de sensibilizar o condutor sobre a infração que cometera, já que os crimes de trânsito seguem entre os mais praticados”, reforça.
E quando o cárcere é inevitável por força da Lei de Execuções Penais, a ressocialização é o caminho. Nesse contexto, tem-se a primeira fase do processo de ressocialização, que começa com o levantamento de toda a documentação do apenado, seguido dos exames básicos de saúde. Posteriormente, o preso pode, voluntariamente, procurar a Chefia de Reintegração Social da Seris, onde também vai receber assistência jurídica e psicossocial.
Segundo a chefe de Reintegração Social, agente penitenciária Shirley Araújo, o objetivo é buscar a inserção do preso no mercado de trabalho, graças aos mais de 30 convênios firmados, inclusive, junto à iniciativa privada, beneficiando cerca de 700 reeducandos. Ela destaca que, na maioria das vezes, é somente no sistema prisional que o reeducando tem acesso a ações de cidadania.
“Na Reintegração Social, trabalhamos para que os presos dos regimes aberto e semiaberto, além dos egressos do sistema, possam ter acesso à educação e se qualificar. Para tal, nosso acompanhamento também é extensivo aos familiares do preso. E havendo alguma dificuldade de adaptação ao trabalho, não o abandonamos. Afinal, temos de superar, juntos, o preconceito diário, conscientizando também gestores, funcionários e sociedade em geral acerca da importância de se acolher o egresso”, conta a agente, acrescentando que o edital para credenciamento de empresas interessadas nesse tipo de contratação – com direito à subvenção econômica (a cada três meses de salários pagos pelo empregador, um é pago pelo Governo) – segue aberto.
Unidade modelo
Em Alagoas, falar em ressocialização é lembrar as ações executadas no Núcleo Ressocializador da Capital. Eduardo Gouveia é chefe do Núcleo e explica que o primeiro passo para candidatar-se a uma vaga na unidade considerada modelo é a vontade do preso, apesar de toda a estrutura favorável à plena recuperação de cada reeducando.
 Série de atividades ressocializadoras desenvovlvidas no sistema prisional auxilia no processo de reintegração social dos reeducados (Fotos: Jorge Santos)
“A pré-disposição do preso é o fator principal. Não adianta ofertar um ciclo de oportunidades se ele [preso] não está convicto da necessidade de mudança. Todos, sem exceção, têm a oportunidade de se candidatar, mas a primeira preocupação do núcleo é buscar reeducandos, independentemente do crime que tenham cometido, que tenham vontade de aqui estar”, disse.
“Uma vez manifestado o interesse, o preso é submetido a um processo de seleção, dividido em cinco etapas e realizado por nossa equipe multidisciplinar composta por psicólogo, assistente social e assessor jurídico, além da diretoria de Inteligência da Seris e do sub-chefe de cada unidade prisional”, revela Gouveia, acrescentando que o preso está apto a ser transferido para o núcleo somente se atender a todos os requisitos.
Ainda de acordo com o chefe da unidade, já são quase 400 candidatos a uma vaga no Núcleo Ressocializador, o que explica o sucesso da proposta implementada pela Seris. Na unidade, todos os reeducandos precisam, além de estudar e trabalhar, cumprir uma agenda repleta de atividades diárias.
“No Núcleo, buscamos provocar o senso de pertencimento entre os reeducandos, que integram comissões para organizar, sob a nossa supervisão, atividades como eventos culturais e esportivos dentro do sistema. Eles também são responsáveis por recepcionar os presos que aqui chegam, explicando-lhes todas as normas da unidade, onde todos assinam um contrato comprometendo-se com o projeto. Temos, inclusive, uma comissão com autonomia para mediar conflitos internos”, salienta Eduardo Gouveia.
O chefe do NRC conta, ainda, que a aptidão de cada reeducando vai definir a tarefa na qual o mesmo será inserido, com a equipe multidisciplinar sempre atenta a qualquer excesso. “Há uma diferença muito grande entre propiciar oportunidades e ser permissivo. Afinal, um dos fatores que leva o cidadão a cometer delito é justamente a sua incapacidade de seguir normais sociais. Portanto, no núcleo, disciplina e respeito ao próximo estão entre os princípios fundamentais”.
Educação do cárcere
E aliada à assistência religiosa, a oferta de ensino formal tem transformado a vida dos reeducandos que cumprem pena no regime fechado. Eles levantam pouco depois das 6h da manhã, retornando para os alojamentos às 17h, quando encerram a jornada laboral. Tomam banho, seguem para a janta e, logo depois, partem para as salas de aula, onde também têm acesso a cursos profissionalizantes, como os de cabeleireiro e confeiteiro. Se já tiver o ensino médio completo, o preso pode cursar uma faculdade particular à distância.
“Todos têm a chance de ter sua pena remida pelo trabalho e pelo estudo, além da oportunidade de já sair com um emprego formal. E igualmente essencial é o trabalho dos nossos agentes penitenciários, que têm qualificação e perfil para aqui estarem. Eles são dotados da sensibilidade necessária para lidar com o reeducando. São profissionais que vestiram a camisa do projeto e que sentam junto ao preso para conversar e até dar conselhos”, emenda o chefe do Núcleo Ressocializador, que dispõe também de brinquedoteca destinada aos filhos dos presos, onde eles podem recebê-los mais confortavelmente.
“Temos uma preocupação muito grande em propiciar uma transformação verdadeira. Às vezes o reeducando tem um comportamento meramente técnico. Vamos além. Fazemos uma provocação íntima. O que vai lhe acontecer quando essas portas se abrirem? Também não podemos fantasiar o mundo lá fora. Por isso, o reeducando precisa estar de fato intimamente transformado, pois, via de regra, terá de enfrentar o mesmo contexto social de outrora assim que deixar a prisão”, reflete Gouveia, destacando o fato de que, em dois anos, nenhum dos que deixaram o núcleo voltou a delinquir.
A não reincidência é fruto do leque de possibilidades ofertadas pela Gerência de Educação, Produção e Laborterapia, a quem compete administrar projetos como o Lêberdade, criado em 2016 e cujo objetivo é permitir a remição de pena por meio da leitura. Segundo a gerente Andréa Rodrigues de Melo, já são 501 obras lidas em apenas dois anos.
Série de atividades ressocializadoras desenvovlvidas no sistema prisional auxilia no processo de reintegração social dos reeducados (Fotos: Jorge Santos)
Soma-se ao Lêberdade dezenas de oficinas voltadas ao reeducando, como as de filé, pintura em tecido e marcenaria artesanal. Outra oficina de destaque é a “De Olho no Óleo”, que recolhe óleo de cozinha antigo e o transforma em sabão, detergente e desinfetante, material que é doado a entidades filantrópicas, além de utilizado pela própria população carcerária
“Oferecemos ao preso a possibilidade de sustentar sua família mediante o trabalho. Ressocializar é poder ser alfabetizado e ter a chance de ingressar no ensino superior. Com o Lêberdade, conferimos maior capacidade de interpretação a dezenas dereeducandas.E tudo isso gera impactos subjetivos, a exemplo do resgate da autoestima de cada reeducando, que passa a existir como sujeito da própria história”, analisa a agente penitenciária.
Exemplos de superação
Não faltam, por fim, exemplos de superação, como atesta Klinger Pinheiro, que cumpriu pena de seis anos e, egresso do sistema prisional alagoano, voltou ao Núcleo Ressocializador, desta vez apenas para trabalhar. “Eu era um homem imaturo quando cheguei ao presídio. Saí em agosto passado e, hoje, trabalho no setor administrativo do Núcleo, onde aprendi a ser uma pessoa completamente diferente. Não ajo mais pelo impulso e tenho mais respeito às pessoas. Até o convívio com meus familiares melhorou”, desabafa o egresso que, agora, promete retomar a faculdade de Administração pela Unopar, instituição parceira da Seris.
Já entre os que ainda cumprem pena está Alessander Ferreira, que chegou ao sistema apenas com a 6ª série do ensino fundamental e, prestes a ganhar liberdade após sete anos de reclusão, não apenas concluiu o ensino médio no cárcere, como também já se prepara para confirmar a formação superior em Letras. “Sei que, com o estudo, vou sair um ser humano mais completo. Não vejo outra forma de a ressocialização dar certo. Hoje, orgulho-me de poder dialogar com qualquer pessoa e de saber que terei uma vida digna lá fora”, finalizou.
 Agência Alagoas

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