Saiba como se dá o processo de reinserção social de apenados e egressos do sistema prisional alagoano, um dos mais eficientes do Brasil
Série de atividades ressocializadoras desenvovlvidas no sistema prisional auxilia no processo de reintegração social dos reeducados Fotos: Jorge Santos |
Texto de Bruno Soriano
Qual
o significado do termo ressocializar? Socializar-se novamente, voltar a
fazer parte da sociedade, retomar o convívio social. Ressocializar é
mudar o preso e seu comportamento, tornando-o socialmente aceito e não
nocivo ao público que um dia o recriminou. É também um dos direitos
fundamentais do apenado, que deve ter acesso a mecanismos capazes de lhe
garantir cidadania plena.
Nesse
sentido, a Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social
(Seris) realiza um trabalho muito importante, tendo como base as duas
principais ferramentas do processo de transformação de quem cumpre pena
privativa de liberdade. Ao ofertar educação e trabalho no sistema
prisional alagoano, a Seris já contabiliza avanços como os observados no
Núcleo Ressocializador da Capital (NRC), onde o reeducando encontra
verdadeiro leque de oportunidades.
Há
também as iniciativas que buscam evitar o encarceramento. É o caso das
penas alternativas, cujo acompanhamento é realizado pela Central de
Alternativas Penais (Ceapa), subordinada à Seris. Cabe à Ceapa monitorar
o cumprimento das penas privativas de liberdade convertidas em
restritivas de direitos, destinadas aos crimes de menor potencial
ofensivo.
São
três as modalidades: prestação de serviço à comunidade; prestação
pecuniária (onde o cumpridor doa valor em dinheiro ou cestas básicas a
instituição beneficente); comparecimento judicial; e prestação de
serviço à comunidade, na qual se enquadram 1.042 pessoas em todo o
Estado. E é para assistir o infrator durante o cumprimento da pena que a
Ceapa disponibiliza apoio jurídico e psicossocial, traçando o perfil de
cada um deles para definir, por exemplo, a entidade a ser beneficiada.
“Esse
levantamento também considera a necessidade de cada instituição, de
modo a tornar a tarefa do cumpridor mais prazerosa. Todos eles passam
por um grupo de iniciação, com os encontros sendo realizados
quinzenalmente, sendo entregues cartilhas que contém os direitos e
deveres do cumpridor. Trata-se de um trabalho crucial porque, além de
evitar o inchaço do sistema, conseguimos manter o infrator no seio da
família”, analisa a chefe do Núcleo de Alternativas Penais, Sônia Regina
dos Santos. “Nesse sentido, estreitamos laços com instituições como o
Detran, a fim de sensibilizar o condutor sobre a infração que cometera,
já que os crimes de trânsito seguem entre os mais praticados”, reforça.
E
quando o cárcere é inevitável por força da Lei de Execuções Penais, a
ressocialização é o caminho. Nesse contexto, tem-se a primeira fase do
processo de ressocialização, que começa com o levantamento de toda a
documentação do apenado, seguido dos exames básicos de saúde.
Posteriormente, o preso pode, voluntariamente, procurar a Chefia de
Reintegração Social da Seris, onde também vai receber assistência
jurídica e psicossocial.
Segundo
a chefe de Reintegração Social, agente penitenciária Shirley Araújo, o
objetivo é buscar a inserção do preso no mercado de trabalho, graças aos
mais de 30 convênios firmados, inclusive, junto à iniciativa privada,
beneficiando cerca de 700 reeducandos. Ela destaca que, na maioria das
vezes, é somente no sistema prisional que o reeducando tem acesso a
ações de cidadania.
“Na
Reintegração Social, trabalhamos para que os presos dos regimes aberto e
semiaberto, além dos egressos do sistema, possam ter acesso à educação e
se qualificar. Para tal, nosso acompanhamento também é extensivo aos
familiares do preso. E havendo alguma dificuldade de adaptação ao
trabalho, não o abandonamos. Afinal, temos de superar, juntos, o
preconceito diário, conscientizando também gestores, funcionários e
sociedade em geral acerca da importância de se acolher o egresso”, conta
a agente, acrescentando que o edital para credenciamento de empresas
interessadas nesse tipo de contratação – com direito à subvenção
econômica (a cada três meses de salários pagos pelo empregador, um é
pago pelo Governo) – segue aberto.
Unidade modelo
Em
Alagoas, falar em ressocialização é lembrar as ações executadas no
Núcleo Ressocializador da Capital. Eduardo Gouveia é chefe do Núcleo e
explica que o primeiro passo para candidatar-se a uma vaga na unidade
considerada modelo é a vontade do preso, apesar de toda a estrutura
favorável à plena recuperação de cada reeducando.
“A
pré-disposição do preso é o fator principal. Não adianta ofertar um
ciclo de oportunidades se ele [preso] não está convicto da necessidade
de mudança. Todos, sem exceção, têm a oportunidade de se candidatar, mas
a primeira preocupação do núcleo é buscar reeducandos,
independentemente do crime que tenham cometido, que tenham vontade de
aqui estar”, disse.
“Uma
vez manifestado o interesse, o preso é submetido a um processo de
seleção, dividido em cinco etapas e realizado por nossa equipe
multidisciplinar composta por psicólogo, assistente social e assessor
jurídico, além da diretoria de Inteligência da Seris e do sub-chefe de
cada unidade prisional”, revela Gouveia, acrescentando que o preso está
apto a ser transferido para o núcleo somente se atender a todos os
requisitos.
Ainda
de acordo com o chefe da unidade, já são quase 400 candidatos a uma
vaga no Núcleo Ressocializador, o que explica o sucesso da proposta
implementada pela Seris. Na unidade, todos os reeducandos precisam, além
de estudar e trabalhar, cumprir uma agenda repleta de atividades
diárias.
“No
Núcleo, buscamos provocar o senso de pertencimento entre os
reeducandos, que integram comissões para organizar, sob a nossa
supervisão, atividades como eventos culturais e esportivos dentro do
sistema. Eles também são responsáveis por recepcionar os presos que aqui
chegam, explicando-lhes todas as normas da unidade, onde todos assinam
um contrato comprometendo-se com o projeto. Temos, inclusive, uma
comissão com autonomia para mediar conflitos internos”, salienta Eduardo
Gouveia.
O
chefe do NRC conta, ainda, que a aptidão de cada reeducando vai definir
a tarefa na qual o mesmo será inserido, com a equipe multidisciplinar
sempre atenta a qualquer excesso. “Há uma diferença muito grande entre
propiciar oportunidades e ser permissivo. Afinal, um dos fatores que
leva o cidadão a cometer delito é justamente a sua incapacidade de
seguir normais sociais. Portanto, no núcleo, disciplina e respeito ao
próximo estão entre os princípios fundamentais”.
Educação do cárcere
E
aliada à assistência religiosa, a oferta de ensino formal tem
transformado a vida dos reeducandos que cumprem pena no regime fechado.
Eles levantam pouco depois das 6h da manhã, retornando para os
alojamentos às 17h, quando encerram a jornada laboral. Tomam banho,
seguem para a janta e, logo depois, partem para as salas de aula, onde
também têm acesso a cursos profissionalizantes, como os de cabeleireiro e
confeiteiro. Se já tiver o ensino médio completo, o preso pode cursar
uma faculdade particular à distância.
“Todos
têm a chance de ter sua pena remida pelo trabalho e pelo estudo, além
da oportunidade de já sair com um emprego formal. E igualmente essencial
é o trabalho dos nossos agentes penitenciários, que têm qualificação e
perfil para aqui estarem. Eles são dotados da sensibilidade necessária
para lidar com o reeducando. São profissionais que vestiram a camisa do
projeto e que sentam junto ao preso para conversar e até dar conselhos”,
emenda o chefe do Núcleo Ressocializador, que dispõe também de
brinquedoteca destinada aos filhos dos presos, onde eles podem
recebê-los mais confortavelmente.
“Temos
uma preocupação muito grande em propiciar uma transformação verdadeira.
Às vezes o reeducando tem um comportamento meramente técnico. Vamos
além. Fazemos uma provocação íntima. O que vai lhe acontecer quando
essas portas se abrirem? Também não podemos fantasiar o mundo lá fora.
Por isso, o reeducando precisa estar de fato intimamente transformado,
pois, via de regra, terá de enfrentar o mesmo contexto social de outrora
assim que deixar a prisão”, reflete Gouveia, destacando o fato de que,
em dois anos, nenhum dos que deixaram o núcleo voltou a delinquir.
A
não reincidência é fruto do leque de possibilidades ofertadas pela
Gerência de Educação, Produção e Laborterapia, a quem compete
administrar projetos como o Lêberdade, criado em 2016 e cujo objetivo é
permitir a remição de pena por meio da leitura. Segundo a gerente Andréa
Rodrigues de Melo, já são 501 obras lidas em apenas dois anos.
Soma-se
ao Lêberdade dezenas de oficinas voltadas ao reeducando, como as de
filé, pintura em tecido e marcenaria artesanal. Outra oficina de
destaque é a “De Olho no Óleo”, que recolhe óleo de cozinha antigo e o
transforma em sabão, detergente e desinfetante, material que é doado a
entidades filantrópicas, além de utilizado pela própria população
carcerária
“Oferecemos
ao preso a possibilidade de sustentar sua família mediante o trabalho.
Ressocializar é poder ser alfabetizado e ter a chance de ingressar no
ensino superior. Com o Lêberdade, conferimos maior capacidade de
interpretação a dezenas dereeducandas.E tudo isso gera impactos
subjetivos, a exemplo do resgate da autoestima de cada reeducando, que
passa a existir como sujeito da própria história”, analisa a agente
penitenciária.
Exemplos de superação
Não
faltam, por fim, exemplos de superação, como atesta Klinger Pinheiro,
que cumpriu pena de seis anos e, egresso do sistema prisional alagoano,
voltou ao Núcleo Ressocializador, desta vez apenas para trabalhar. “Eu
era um homem imaturo quando cheguei ao presídio. Saí em agosto passado
e, hoje, trabalho no setor administrativo do Núcleo, onde aprendi a ser
uma pessoa completamente diferente. Não ajo mais pelo impulso e tenho
mais respeito às pessoas. Até o convívio com meus familiares melhorou”,
desabafa o egresso que, agora, promete retomar a faculdade de
Administração pela Unopar, instituição parceira da Seris.
Já
entre os que ainda cumprem pena está Alessander Ferreira, que chegou ao
sistema apenas com a 6ª série do ensino fundamental e, prestes a ganhar
liberdade após sete anos de reclusão, não apenas concluiu o ensino
médio no cárcere, como também já se prepara para confirmar a formação
superior em Letras. “Sei que, com o estudo, vou sair um ser humano mais
completo. Não vejo outra forma de a ressocialização dar certo. Hoje,
orgulho-me de poder dialogar com qualquer pessoa e de saber que terei
uma vida digna lá fora”, finalizou.
Agência Alagoas
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