José Vieira da Cruz*
No último 07 de maio, as celebrações sobre o final da Segunda Guerra
Mundial mais uma vez ocuparam os noticiários. Desta feita, com uma inovação que
tende a se tornar frequente. Nas cidades em que ocorreram as referidas
homenagens, os eventos foram acompanhados pela população através dos meios de
comunicação e das redes sociais, salvo a presença de algumas autoridades nos
atos. Assim, mesmo diante de uma pandemia e da prática do lockdown, vários
países optaram por manter as celebrações e não esquecer o passado. Este fato, da
necessidade de se manter reflexões relacionadas aos 75 anos do fim do referido
conflito e a partir dele compreender como a atual ordem mundial foi organizada,
indica o quanto é importante recordar e analisar os desdobramentos políticos, econômicos
e sociais do pós-guerra.
Em razão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o mundo dividiu-se entre
países que defendiam liberdades democráticas ou o socialismo e aqueles que
defendiam o pensamento único, regimes autoritários e práticas de intolerância por
questões religiosos, raciais, ideológicas ou por outras diferenças. Não é
demais lembrar que o conflito não foi obra somente de seus líderes, partidos e
ideologias. É necessário recordar que parte da sociedade na Alemanha, na Itália
e em outros países, seduzidas por ideias da extrema-direita, ultranacionalistas
e antissemitas, apoiaram a guerra e o extermínio de milhões de pessoas. Neste
contexto, foi necessário a construção de uma aliança entre os países que
defendiam os princípios da democracia liberal e aqueles que defendiam socialismo
para derrotar um inimigo maior: o Nazifascismo.
No campo da História, registros, lembranças e rememorações de
acontecimentos suscitam importantes reflexões sobre as escolhas que cada sociedade
faz quanto ao seu desenvolvimento político, econômico e cultural. Por essa razão, os(as) historiadores(as), no exercício
de seu ofício profissional, insistem em lembrar, recordar, avaliar e interpretar
as repercussões dos acontecimentos do passado sobre o presente. A respeito,
Eric Hobsbawm ao escrever a obra, “Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991”,
publicada em 1994, afirmou que os historiadores
costumam lembrar o que os outros esquecem, a exemplo dos horrores da guerra e
da necessidade de alianças em defesa da democracia, da liberdade e da vida.
Dentro desta perspectiva, as lições, significados e reflexões deixadas
pela Segunda Guerra Mundial, sobretudo, a do legado de substituir regimes
autoritários, totalitários e racistas, por regimes propensos a valorizar a
democracia, a liberdade, a justiça social, a pluralidade e o respeito aos diferentes, tem
sido uma importante premissa no campo das relações internacionais e dos debates
políticos contemporâneos.
No Brasil, as consequências do fim da Segunda Guerra Mundial
contribuíram decisivamente para derrubar a ditatura do Estado Novo (1937-1945)
e para instituir importantes experiências democráticas no país nas décadas
seguintes. Experiências, logo e lamentavelmente, interrompidas por mais um
regime autoritário: a ditadura civil-militar (1964-1985). Nos últimos 35 anos,
como é do conhecimento de todos, por um lado, o país retomou o exercício do
Estado Democrático de Direito, mas, por outro, tem passado por reformas e desafios
para manter a ordem institucional democrática.
Voltando as rememorações da Segunda Guerra Mundial, a partir de meados
do século XX, os ventos de liberdade,
democracia e de tolerância que passaram a soprar no mundo do pós-guerra são tão
importantes quanto a rejeição, nos dias atuais, dos discursos obscurantistas de
negação da ciência, de exaltação da cultura de ódio aos diferentes, e da
banalização da perda de vidas humanas ceifadas pela pandemia do Covid-19.
Discursos e práticas estimuladas por algumas autoridades políticas e
empresariais em determinados países, dentre os quais os Estados Unidos da
América, o Brasil e, até pouco tempo, ao menos em parte, pelo Reino Unido.
Em termos opostos, compreendemos a vida humana como um valor inumerável no
qual cada sujeito esculpe em sua história contribuições com significados
próprios. Cada vida traz em si sentimentos, sentidos e legados, sejam elas
vividas em grotões, campinas, restingas, florestas, cerrados, sertões, mangues,
favelas, mocambos, condomínios, mansões, palácios, castelos, indústrias,
comércios ou ruas. Como bem escreveu João Cabral de Melo Neto, em “Morte e vida
Severina”, em texto elaborado na década de 1950, toda vida é uma explosão de
significados, mesmo que seja uma vida Severina.
Desta forma, aprender com o passado, em particular com as reflexões
deixadas pelos 75 anos do final da Segunda Guerra Mundial, também nos possibilita
pensar acerca das consequências das escolhas que cada sociedade faz ou pode
fazer. Existem é claro acontecimentos de difícil resolução e previsão:
desastres naturais, acidentes, crises econômicas, doenças, dentre outros desventuras.
Mas, como asseverou Nicolau Maquiavel, na clássica obra “O Príncipe”, texto do
século XVI, ao menos em parte, é possível para aqueles que planejam, organizam
e se prepararam, solucionar ou reduzir os efeitos de acontecimentos naturais, não
previstos e/ou indesejáveis. E isso, para Maquiavel, depende do posicionamento
de governantes e de governados que partilham as escolhas de uma sociedade em
determinada época, lugar e contexto.
Há, portanto, escolhas que são difíceis mais são possíveis. A respeito,
as reflexões sobre períodos posteriores a guerras, crises econômicas e
pandemias, nos ensinam que em favor da vida, da liberdade e da solidariedade entre
povos de diferentes nações, alguns países, partidos e políticos relativizaram divergências
e se uniram em torno de princípios e de agendas políticas em comum: justiça
social, políticas de Estado de bem-estar e liberdades democráticas individuais,
coletivas e sociais.
No caso dos desafios atuais da democracia brasileira, em particular dos
impasses federativos entre União, Estados, Distrito Federal e os municípios, em
torno dos recursos e das ações para combate a pandemia do novo Coronavírus, as contradições
entre o “nós” contra “eles”, nunca esteve tão em evidencia e nunca foi tão
indesejado. Mas, não obstante as diferenças
e respeitados os códigos de civilidade, ética e diplomacia, entre aqueles que defendem
a vida, a democracia, a justiça social e a liberdade de expressão, há mais
pontos em comuns que diferenças.
Neste sentido, espero que as duras lições da Segunda Guerra Mundial possam
também nos ajudar a pensar os desafios de nosso tempo. Dentre essas lições, por
um lado, está a necessidade de recordar os horrores da guerra, das ditaduras e das
arbitrariedades contra os direitos humanos, para que eles não sejam esquecidos
e não voltem a ocorrer. E, de outro lado, a necessidade de articulação de
pactos, frentes e alianças políticas em defesa da vida, das liberdades democráticas
e do respeito aos diferentes. Lições presentes, rememoradas à distância pelos
meios de comunicação e pelas redes sociais, dentro do chamado “novo normal” destes
tempos de pandemia e de práticas de lockdown. Ao menos, estes foram os sentimentos, sentidos
e exemplos que as celebrações, ocorridas na primeira semana de maio deste ano, sob
minha modesta interpretação, evidenciaram em razão dos 75 anos do fim da
Segunda Guerra Mundial.
*Professor da UFAL, Doutor em História pela UFBA, membro do IHGSE e da
ACALE
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