Média nacional é de quase 25%; dois mil reeducandos já passaram pelo Núcleo Ressocializador, que oferta trabalho e estudo em tempo integral
Internos do Núcleo Ressocializador recebem qualificação profissional, assistência médica, psicológica, jurídica e religiosa
Jorge Santos
Texto de Luciana Buarque
Celas sem trancas, presos sem algemas, agentes penitenciários sem
armas. Em um local onde condenados estudam, trabalham, têm oferta de
lazer, fazem terapias e esportes, é difícil lembrar que se está dentro
de um presídio. Com essa abordagem humanizada, uma penitenciária
alagoana se tornou referência no Brasil por recuperar os condenados e
reinseri-los na sociedade. A prova da eficiência do Núcleo
Ressocializador da Capital, em Maceió, é a taxa de 0% de reincidência
criminal registrada há 22 meses.
O Núcleo está prestes a completar, em dezembro, dois anos seguidos
com a menor taxa de reincidência do país. Nenhum dos reeducandos que
deixaram a unidade desde janeiro de 2017 – porque ganharam a liberdade
ou progrediram para os regimes semiaberto e aberto – voltou a cometer
delitos. De acordo com os registros do Banco de Dados Integrado da
Segurança Pública do Estado, esses egressos não tiveram passagem pela
polícia ou pelas unidades do Sistema Prisional até o último mês de
outubro. Em 2016, quando os levantamentos tiveram início, a taxa de
reincidência era de 2%, apenas.
Com o altíssimo índice de recuperação dos reeducandos, a unidade
alagoana está na contramão dos presídios brasileiros. Levantamento
realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2015,
considerando apenas o conceito de reincidência legal – aqueles que
voltam a ser condenados no prazo de cinco anos após o cumprimento da
pena anterior – chegou a uma média de 24,4% no Brasil.
O segredo do modelo, que em sete anos já atendeu cerca de 2 mil
custodiados, é o respeito às pessoas. No Núcleo Ressocializador de
Maceió, nenhum agente penitenciário ou servidor sabe quais crimes foram
cometidos pelos reeducandos. Ao entrar lá, só o nome dos sentenciados
importa. Eles circulam livremente pelo espaço, onde convivem em harmonia
e aprendem sobre comunicação não violenta: palavrões e gírias sequer
são permitidos. À hora das refeições, comem com talheres de metal,
objetos cortantes que são proibidos nas demais penitenciárias.
Mesmo com acesso a talheres e a ferramentas de trabalho, ocorrências
violentas não acontecem. Aliás, esse é um dos critérios de permanência
na unidade. Ao primeiro sinal de incitação à violência, ainda que apenas
por meio de conversas, o apenado perde o direito de continuar no
projeto e retorna ao presídio comum.
“O reeducando tem que querer a reintegração social. A adesão ao
Núcleo é voluntária. Aqui o trabalho e estudo são ofertados em tempo
integral e todos obedecem às regras para boa convivência. Além disso,
fortalecemos o vínculo familiar. Com esses vetores, eles voltam melhores
para a sociedade”, explica o chefe do Núcleo, o agente penitenciário
Elder Rodrigues.
Baseado na experiência espanhola dos "Módulos de Respeito", o Núcleo
Ressocializador da Capital é destaque nacional no cumprimento integral
da Lei de Execuções Penais, que prevê a ressocialização através da
qualificação profissional, educação, trabalho e condições dignas no
encarceramento, que incluem higiene, organização e assistência médica,
psicológica, jurídica e religiosa.
“A taxa nula de reincidência criminal se deve à diretiva do Governo
do Estado e ao trabalho eficaz dos agentes e servidores penitenciários.
Temos o melhor resultado do país no quesito ressocialização e isso é
mérito da integração de toda a equipe, que inclui as psicólogas,
assistentes sociais, enfermeiros, servidores administrativos e
professores”, afirma Elder Rodrigues, que também destaca a ausência de
tentativa de fugas da unidade.
De janeiro de 2017 a outubro de 2018, deixaram o Núcleo 74 pessoas.
Todas elas saíram com qualificação profissional, ofício e com o vínculo
familiar fortalecido pelas ações promovidas pela Secretaria da
Ressocialização e Inclusão Social (Seris). A unidade é a única no país
que segue o modelo espanhol. Hoje, o Núcleo tem 118 internos.
Perfil dos reeducandos
Para se candidatar ao Núcleo Ressocializador, o interno sentenciado
que cumpre pena no regime fechado passa por avaliações e precisa ter
perfil compatível com os princípios que regem o projeto. É necessário
apresentar bom comportamento, ter histórico livre de ocorrências e não
pertencer a facções criminosas, entre outros requisitos.
O modelo tem como foco o respeito aos direitos dos apenados, seguindo
os princípios da honradez, diálogo e transparência. O principal
objetivo é criar oportunidades para reduzir os fatores de risco do
interno por meio da laborterapia, da educação e do lazer.
O custodiado Cícero Lima é um dos beneficiados pelo projeto. Dos nove
anos em que cumpre pena no Complexo Prisional, os últimos quatro têm
sido no Núcleo Ressocializador. Nesse período, ele contabilizou cerca de
80 cursos e está concluindo a graduação à distância em Administração.
“No início, tive receio de solicitar a transferência para cá. Até que
percebi que o trabalho e o estudo mudariam minha vida. Hoje sou um dos
16 custodiados que cursam o ensino superior no Núcleo. Já planejo meu
mestrado no próximo ano”, relata.
Agência Alagoas
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